sábado, 10 de março de 2012

Profissionais do sexo



Sentadas à mesa, fartas com o almoço, encontramos a mulher com quem iríamos nos reunir posteriormente. Questionou-se “As meninas podem acompanhar seu trabalho na Afonso Pena?” A resposta descarregada “Podem sim!! Só se prevenir. É bom ver o trabalho mais de perto” Pensei: Por que ela acha que a gente vai se prostituir? Que bobagem! Mas por que pensar assim, como se fosse uma coisa inacreditável? Era natural! É natural pra ela, é comum ali! Nós que não estávamos no nosso lugar moralmente demarcado.

Dava garfadas e sorria num ritmo cansado, cujo motivo ficou evidente durante a exposição da quantidade e intensidade de suas tarefas diárias. Tendo que cadastrar e facilitar a prevenção de várias prostitutas do município de Belo Horizonte, abrangendo Contagem e Betim; orientar e debater sobre a violência contra as mulheres; prestar assistência a elas e seus familiares; favorecer educação, saúde, cultura; e buscar solucionar as demandas das prostitutas.

Em reunião, relatou que muitas mulheres a procuram por depressão, justificando-a como resultado da culpa (de cunho religioso) por exercer a profissão e por violência verbal e psicológica provenientes de vizinhos, maridos e pelos próprios clientes. O meio que ela encontrou de melhorar a auto-estima das mulheres foi promover eventos culturais e investir na educação.

Durante nossas conversa, entraram várias mulheres para pegar camisinhas. 80 eram entregues para cada. Umas reclamavam, outras silenciavam, mas havia quem gostasse. “Está faltando camisinhas por causa do carnaval... foram mais de 150 mil”. Uma mulher, acompanhada de três filhos, disse: Não consigo ficar sem trabalhar! Isso aqui não dá nem pra três dias! Faço 45 por dia pra conseguir 500 reais! Adoro ver o dinheiro entrando!!! Hahahaha. A relação aberta com as crianças me chocou, ao mesmo tempo que me fez admirar o fato de assumir a profissão frente a família. Uma profissão tão estigmatizada e que envolve diversas questões moralizantes. Outra mulher fala misteriosamente sobre uma cirurgia que irá fazer em breve. Depois acaba revelando se tratar de lipoaspiração, mesmo não estando longe do padrão de corpo instituído. Disse preferir levar 2 horas pra fazer a cirurgia do que gastar um ano em academia. Pensei em como deve ser a relação dessas mulheres com o corpo. Corpo como mercadoria, como produto ou como ferramenta de trabalho?

Muitas olhavam para os nossos rostos dizendo nunca ter nos visto por lá. Achei interessante não se incomodarem com uma possível concorrência e me incomodei por pensar que poderia fazer o mesmo tipo de trabalho na cabeça delas. Deparei com meu preconceito face a face nesse momento “Eu tenho cara de prostituta?” Nossa entrevistada diz que há muitas prostitutas em Belo Horizonte: “No dia que legalizar, as pessoas vão dizer que só tem puta em BH”. Ela diz que nem todas trabalham com sexo, como é o caso dela.
“Eu, por exemplo, não faço. Não consigo. Trabalho com fetiches. Meus preferidos são pedólatras e troca de papéis”. Mas trabalha como dominatrix com casais ou somente o homem também. Afirma que às vezes tem que chamar outra pessoa pra fazer o papel de mulher para ser dominatriz. Zoofilia não faz. Quando o cliente tenta a penetração, é capaz de agredi-lo. “Com namorado, faço numa boa”. E se não gozar durante a 1 hora de programa? “Problema dele!”. Cobram adiantado, aí não tem como reclamarem, afirma. E para recusar o cliente? “sempre damos uma desculpa... to esperando um cliente, já tô de saída... nunca dizemos não”.

Quando questionada se já sofreu alguma violência, diz que duas vezes foi assaltada e roubada, mas recuperou tudo em ambas. Diz que sofrem dois tipos de violência: a doméstica e a verbal/psicológica. A doméstica envolvem prostitutofóbicos, que agridem as prostitutas. “Colocaram fogo numa mulher ontem”. Mas diz que há seis meses não fazem queixa de uma violência. Os policiais, na maioria das vezes, nem aparecem no local. Só aqueles que já conhecem as trabalhadoras ou os donos de hotéis. O que serve como garantia de não acontecer novamente pela mesma pessoa é pegar as filmagens e identificar o sujeito, espalhando sua foto por todos os hotéis. Se aparecer novamente, batem muito nele, “ninguém vai fazer nada mesmo”.

Subindo os degraus do hotel tentei sentir algum odor. Não tinha nada. As escadas estavam cheias de homens subindo e descendo. Homens sem cheiro, sem rostos. Homens com olhos. Sentia seus olhos, mas não fixava o olhar nas faces... elas se mesclavam.  No quarto, cheiro de suor. Às vezes vindo de mim mesma. Algumas baratas, um rolo de papel higiênico, camisinhas pelo chão, um vaso e uma pia pequena com um espelho acima. O convite para sentar entrou devagar entre meus anseios e estigmas... mas calou-se quando sentei e, obviamente, nada aconteceu. Risos e boca aberta de nossa anfitriã. Sempre altiva e orgulhosa do trabalho e posição no campo. Reparo seus cotovelos. Grandes círculos roxos escuro. Fico imaginando o que poderia ser... a posição?... Uma alegria sem igual era irradiada dali. Uma alegria de alguém feliz na profissão. Pensei nas mulheres tristes que vi... todo ambiente de trabalho possui pessoas satisfeitas e não, pessoas em dias bons ou ruins. Todos passam por isso, nós. 

Alessandra Prado Rezende


Pintura: Les demoiselles d'Avignon, de Pablo Picasso