segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Vilões




17 de novembro de 2011

Naquela praça, naquele centro, sob aquele azul, debaixo daquele sol a pino, o cheiro me tocou. Tocou como tocam as unhas na pele, encravando, marcando, traçando a dor por entre os rastros de meus preconceitos. Fecho os olhos e posso senti-lo dentro de mim. Ele gritava enquanto eu tentava não ouvi-lo, movendo meus olhos por entre eles. O cheiro denunciava aqueles corpos diante dos meus olhos. Corpos condenados aos restos, aos nossos excessos capitalistas. São ditos imundos, carregam nossas sujeiras nas costas.
Vários humanos descansando suas pernas marcadas sobre as muretas. Outros dormem sob as árvores que refresca-lhes a sede. São seres perdidos. Perderam muito dos seus direitos, do poder por não ter. Perdem olhares estranhos de afeto, perdem o gosto da comida que saciam suas narinas. Perderam os bancos da praça. Perderão o espaço onde vivem. Perderam a humanidade.
Mulher negra sentada no chão, agitos de mãos, boca, olhos, alguns sons. Mulher negra sentada entre homens na mureta. As marcas do tempo e do sofrimento impregnam e trinca sua pele. Mulher branca de saia longa, blusa sem decote e cabelo comprido e preso conversando com um dos seus, talvez.
O barulho dos carros numa combinação quase perfeita com o calor de meio-dia. Alguns dormem nas calçadas para suportar, outros pulam para alcançar. Os olhos femininos movem-se devagar, mas atentos, talvez curiosos. Os olhos masculinos escolhem sedentos. Intenso fluxo de sexo, de sexo masculino nos hotéis da Guaicurus. Os seguranças barram a entrada de mulheres na porta. Mulheres nuas aparecem nas janelas esporadicamente para se livrarem das cinzas suadas do cigarro.  Outras saem dos hotéis para saciarem a fome no “Lazanha das Putas”.
Em duplas, servem seus pratos. Algumas se saciam com muito, outras com pouco, muitas com não tão pouco assim. Loiras, morenas. Brancas, negras. Velhas, novas. Altas, baixas, médias. Maquiadas ou não, sensuais ou não, de salto ou não, cheirosas ou não, de roupa curta ou não, com decote ou não. Não dá pra saber. Uma curiosidade me sobe pela boca. É a pergunta que chega e é engolida. Um olhar feminino encontra o meu e um sorriso singelo surge. Uma delicadeza, uma sutileza no gesto faz a pergunta se voltar contra mim: e daí? Um homem fita seu olhar em nossa mesa. Desconfiamos de algum interesse. Mas aqueles olhos não falaram nem morderam. Foram se misturar à multidão.
_ Cabine erótica?!?!
_ Sim. Mas é triste.
Triste. Mulheres infelizes, amarguradas, dançando desajeitadas e de olhos opacos povoam minha cabeça. R$ 5,00 por cliente/cabine durante 5 minutos. Por termos entrado as duas, sabemos mais ainda que é feito para uma pessoa. Do lado direito, um papel higiênico e um cesto de lixo. Uma nota depositada e as cortinas se abriram. Duas mulheres brancas com máscara, óculos escuros e cabelos lisos e presos mostram seus corpos e escondem o sexo. Os corpos são fartos da beleza padronizada pela sociedade. Os movimentos seduzem, estimulam a imaginação dos interessados. Não vi tristeza, mas riqueza. A pessoa que me proporcionou tais oportunidades e me fez conhecer esse mundo de modo tão mais fácil do que eu esperava, riu comigo da nossa própria situação na cabine com uma bunda sacolejando sob nossos olhos. A cabine era pequena e fazia calor ali dentro. Eu ia dizer: tá quente aqui, né? Mas me contive pela situação. Preferi o: está abafado aqui, vamos sair?
Corpos, cheiros, gostos e movimentos se entrelaçam. São eles os vilões do costume chinfrim.

Alessandra Prado Rezende


Pintura: Olympia, 1863 de Édouard Manet