Não estava bem na ida para lá às
14h 30 desse dia. Cheguei ao local e “ele” disse que estavam fazendo uma
reforma no espaço e que, por isso, não tinha ninguém lá. Falei que iria tentar
entrar, então, e ele se dispôs a me ajudar, já que conhecia o
gerente. Conversou com esse, que disse que o movimento estava muito fraco e que
achava que nenhuma iria querer dar entrevista. Eu disse que era uma pena, mas
que eu queria tentar conseguir pelo menos uma, já que estava ali e não tinha
ninguém no "local". Ele subiu comigo ao primeiro andar e disse que iria
falar com uma mulher “mais velha e muito simpática”. Entrou e pediu a ela que me
ajudasse e desse entrevista, apresentando-me e saindo em seguida. Seus olhos
verdes disseram alguma coisa como “logo agora?”.
Uma mulher de médio porte vestida
com uma camisola preta até a metade das coxas e salto baixo. Tinha os cabelos
castanhos e soltos, tocando os ombros. Seu rosto era moldado por arredondados
contornos. Traços e rugas delicadas o compunham. De pele branca e fala
tranquila, despediu do homem que ali me trouxe e fechou a porta, dispensando uns
policiais que queriam programa. Prontamente, eu disse que podia trabalhar e que eu
podia voltar depois. Mas ela disse que não, “tudo bem”. Lili, como preferiu ser
chamada, perguntou sobre a entrevista, o que eu pretendia com ela e de onde eu
era. Eu disse que a entrevista era mais voltada para prazer, sexo e corpo, para
falar do trabalho delas.
Assim, ela me convidou para
sentar, tirou as sandálias e sentou-se de pernas cruzadas no meio da cama. O
ambiente, iluminado por uma luz vermelha, era bem organizado, limpo, com um
armário no teto, em cima da cama. Um cheiro bom preencheu minhas narinas e
ocuparam o vazio deixado pelo desconforto por estar ali, esse que me deixou
assim que sentei. Esse aroma, que ela me contaria mais tarde, era fruto do
âmbar, uma essência que “estimula as glândulas sexuais”. Comecei a entrevista
dizendo que sou nova nesse campo e que seguiria mais ou menos o roteiro e pedi
desculpa por isso. Lili respondeu: Nada... faz do jeito que você aprendeu”.
Pensei: aprendi a fazer sem seguir roteiro à risca... mas vou fingir que foi
assim mesmo.
Durante a entrevista, disse
gostar do trabalho: “Gosto, acho prático, normal”, “deve ser reconhecida como
profissional do sexo” e “gostaria de ser respeitada por isso”. “Nunca me
arrependi, formei meus filhos, investi em dança, teatro...”. Afirma ser
discriminada por “preconceito de contaminação” e quando isso ocorre “abaixo
minha cabeça e saio, porque senti isso antes de vir para aqui”. Lili explicava e falava como era seu trabalho.
Considera-se “domadora de leões”. Disse que sempre pede aos homens para
entrarem, com uma voz “doce, suave”, e lavarem as mãos. Assim, eles
“descarregam a energia, ficam mais calmos”. Disse que eles ficam desesperados
quando elas dizem o tempo que eles têm, então quando a perguntam, responde
“bastante”. Percebe nisso algo positivo, já que os homens ficam mais
“tranqüilos” e o programa não chega à 10 minutos, o que é esperado. Já que
“eles imaginam que estão ali há muito mais tempo”.
Mostrava posições, falava dos
clientes que choravam, dos casamentos que ajudava a manter, dos “desviados
sexualmente”, com os quais brincava e se divertia, sempre pensando em “corrigir
os homens”. Contou que um homem pedia para que ela gritasse “vem vovô, vem na
sua netinha!” Ela perguntou-lhe a idade da neta, que era 3 anos. Ela deu sequência. levou-o para lavar as mãos e deitou-se. Quando ele foi, ela disse: “vem netinho, vem na
vovó!”. O homem ficou “furioso” gritando que não era para ela falar aquilo. “Eu
sou meio surda, o que é mesmo para eu dizer?” O homem gritou: “Vem vovô, vem na
sua netinha!” Ela saltou da cama dizendo: “Eles ouviram!!! E agora?” “Bateu na
porta escondida e disse: “Eles estão ai fora! E agora?”O homem entrou em
desespero “ai meu Deus, ai meu Deus, e agora?”. Ela “acalmou” ele, dizendo:
“Saia com as mão para cima! Assim eles não te fazem mal”. O homem, então, abriu a
porta com as mãos para cima e olhos fechados. E ela? Ela caiu na gargalhada.
Bruxa, auto declara-se. Acredita nos
princípios do Wicca e ser detentora de boas energias, curando caroço na cabeça
de cliente, ferida no braço de menina, desejando o bem, “o que sai da mão vem
do coração”. Além de mística, é devota do santo católico, São Jorge. Um dia o
movimento não estava bom e Lili resolveu abrir um livro e ler uma palavra que
te desse “um caminho”. Leu “cavalo branco”. “São Jorge!” Pediu, então, a São
Jorge que te “iluminasse”. “Na mesma hora um homem lindo chegou”. Chamava-se
Jorge e pagou 100 reais pelo programa, que é 20. “Essa coisas vivem acontecendo
comigo!”. Uma vez, um cliente deu 700 reais, outros dão presentes. “Trato tudo
igual. Não faço discriminação. Se ganho mais é por livre e espontânea vontade deles”.
Diz ser diferente do que é lá
fora, talvez pelo âmbar, “que desperta a sexualidade”. “Tem mulher que tem medo
de ser bonita. Quando a mulher mostra a sexualidade e os pais reprimem, ela
fica fria”. O que considera atrair clientes é o sorriso, principalmente, a
higiene e o âmbar, que “deixa o cliente mais a vontade e doido querendo”. Veste
“camisola para despertar o curioso e o corajoso”.
Lili diz que um dos pontos
positivos do trabalho é que ela “mostra o outro lado”, “aconselha”, “doma”,
“corrige” seus clientes. Outro dia um deles puxou seu sutiã. “Alto lá! O que é
isso?? Não é assim não, seu animal !” O homem pôs-se a chorar. “Minha mulher
está com câncer...”. “Mas é claro, olha o que você faz. Você é que mata ela”.
Mandou-o embora cuidar da esposa. “Todo dia quando eu corrijo, ganho mais
dinheiro”.
Diz “corrigir desvios sexuais”,
como no caso de um homem querendo sexo com a irmã. No ato, dizia “sua mãe está
te olhando!” “Jesus está te olhando!”. O homem “broxou” na hora e foi embora.
“Fazer o que ele quer, não pode. Ele tem que respeitar a mulher”. Lili afirma que as pessoas, tanto as colegas
de trabalho como os clientes, têm “medo” dela. “Ninguém briga comigo, elas têm
medo”.
Roubo foi o primeiro ponto negativo apontado por Lili quanto ao trabalho. Nunca foi roubada ou sofreu violência e consegue isso “assustando eles”. Tem muito roubo nos corredores dos hotéis, mas a “nova geração de gerentes estão trabalhando contra isso”. Outro ponto negativo para ela é o som alto, “ninguém merece ficar ouvindo esse pagode”. Além disso, lamenta o fato de muitas mulheres terem vontade de “resgatar a infância, pois roubaram sua mocidade”.
Roubo foi o primeiro ponto negativo apontado por Lili quanto ao trabalho. Nunca foi roubada ou sofreu violência e consegue isso “assustando eles”. Tem muito roubo nos corredores dos hotéis, mas a “nova geração de gerentes estão trabalhando contra isso”. Outro ponto negativo para ela é o som alto, “ninguém merece ficar ouvindo esse pagode”. Além disso, lamenta o fato de muitas mulheres terem vontade de “resgatar a infância, pois roubaram sua mocidade”.
“Amo o meu trabalho, gosto muito,
respeito meu trabalho”. Nele, sente-se “mais sensual”. “Sou sedutora de homens
e domadora de leões”, repete. Sentir
prazer? “Às vezes sim. Com homens que querem dar prazer e quando tem química”.
Cobra 150 reais nesses casos, “preciso do tesão para trabalhar”. Quando tem
orgasmo, “não quero trabalhar, entro em outra dimensão”. Não pede nada pelo
próprio prazer ao cliente. “De forma alguma! Sou uma profissional, não se pode
abusar”. “Onde se ganha o pão, não se come a carne. Não podemos envolver
sexualmente com cliente”. “Um dia quero escrever um livro...”
Sedutora, domadora de leões,
devota de São Jorge, profissional do sexo, bruxa, despede-se após soprar dicas
ao meu ouvido, mas sem beijos, abraços ou toque. Talvez reservava sua energia
para outrem, talvez eu estivesse em êxtase demais para deixar aquela Clarice
Lispector mais simpática e amena tocar-me. Em êxtase pelo âmbar? Nunca saberei.
Mística, pensava... acredito. Faça o bem, queira o bem, uma coisa boa e ela retornará três vezes
mais forte, brilhava.
Saí dali e olhei no relógio, 1h 30 havia se passado dentro daquele
quarto de luz vermelha
cheirando a âmbar.
Caminho de volta, bruta realidade.
Fuga.
Fui ao encontro de algumas árvores, grama e raios de sol, que não fossem tampados por
acinzentados prédios. Sentei, encostando-me numa árvore seca,
com contáveis
folhas...
penduradas por um suspiro de vida.
O sol baixo
laranja das 17h deixava
o clima confortável e místico, coincidentemente ou não.
O vento balançava os
galhos vagarosamente
deitei.
Olhei o céu
Algo soprava meus ouvidos
através dos galhos secos da árvore
que me sustentara
o frio tocava minhas mãos.
Pintura: Xvarnah, de Anthony Andrew Gonzalez
Alessandra Prado Rezende