quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Um conto de dia místico ou uma tarde de inverno




Não estava bem na ida para lá às 14h 30 desse dia. Cheguei ao local e “ele” disse que estavam fazendo uma reforma no espaço e que, por isso, não tinha ninguém lá. Falei que iria tentar entrar, então, e ele se dispôs a me ajudar, já que conhecia o gerente. Conversou com esse, que disse que o movimento estava muito fraco e que achava que nenhuma iria querer dar entrevista. Eu disse que era uma pena, mas que eu queria tentar conseguir pelo menos uma, já que estava ali e não tinha ninguém no "local". Ele subiu comigo ao primeiro andar e disse que iria falar com uma mulher “mais velha e muito simpática”. Entrou e pediu a ela que me ajudasse e desse entrevista, apresentando-me e saindo em seguida. Seus olhos verdes disseram alguma coisa como “logo agora?”.

Uma mulher de médio porte vestida com uma camisola preta até a metade das coxas e salto baixo. Tinha os cabelos castanhos e soltos, tocando os ombros. Seu rosto era moldado por arredondados contornos. Traços e rugas delicadas o compunham. De pele branca e fala tranquila, despediu do homem que ali me trouxe e fechou a porta, dispensando uns policiais que queriam programa. Prontamente, eu disse que podia trabalhar e que eu podia voltar depois. Mas ela disse que não, “tudo bem”. Lili, como preferiu ser chamada, perguntou sobre a entrevista, o que eu pretendia com ela e de onde eu era. Eu disse que a entrevista era mais voltada para prazer, sexo e corpo, para falar do trabalho delas.  

Assim, ela me convidou para sentar, tirou as sandálias e sentou-se de pernas cruzadas no meio da cama. O ambiente, iluminado por uma luz vermelha, era bem organizado, limpo, com um armário no teto, em cima da cama. Um cheiro bom preencheu minhas narinas e ocuparam o vazio deixado pelo desconforto por estar ali, esse que me deixou assim que sentei. Esse aroma, que ela me contaria mais tarde, era fruto do âmbar, uma essência que “estimula as glândulas sexuais”. Comecei a entrevista dizendo que sou nova nesse campo e que seguiria mais ou menos o roteiro e pedi desculpa por isso. Lili respondeu: Nada... faz do jeito que você aprendeu”. Pensei: aprendi a fazer sem seguir roteiro à risca... mas vou fingir que foi assim mesmo.

Durante a entrevista, disse gostar do trabalho: “Gosto, acho prático, normal”, “deve ser reconhecida como profissional do sexo” e “gostaria de ser respeitada por isso”. “Nunca me arrependi, formei meus filhos, investi em dança, teatro...”. Afirma ser discriminada por “preconceito de contaminação” e quando isso ocorre “abaixo minha cabeça e saio, porque senti isso antes de vir para aqui”.  Lili explicava e falava como era seu trabalho. Considera-se “domadora de leões”. Disse que sempre pede aos homens para entrarem, com uma voz “doce, suave”, e lavarem as mãos. Assim, eles “descarregam a energia, ficam mais calmos”. Disse que eles ficam desesperados quando elas dizem o tempo que eles têm, então quando a perguntam, responde “bastante”. Percebe nisso algo positivo, já que os homens ficam mais “tranqüilos” e o programa não chega à 10 minutos, o que é esperado. Já que “eles imaginam que estão ali há muito mais tempo”.

Mostrava posições, falava dos clientes que choravam, dos casamentos que ajudava a manter, dos “desviados sexualmente”, com os quais brincava e se divertia, sempre pensando em “corrigir os homens”. Contou que um homem pedia para que ela gritasse “vem vovô, vem na sua netinha!” Ela perguntou-lhe a idade da neta, que era 3 anos. Ela deu sequência. levou-o para lavar as mãos e deitou-se. Quando ele foi, ela disse: “vem netinho, vem na vovó!”. O homem ficou “furioso” gritando que não era para ela falar aquilo. “Eu sou meio surda, o que é mesmo para eu dizer?” O homem gritou: “Vem vovô, vem na sua netinha!” Ela saltou da cama dizendo: “Eles ouviram!!! E agora?” “Bateu na porta escondida e disse: “Eles estão ai fora! E agora?”O homem entrou em desespero “ai meu Deus, ai meu Deus, e agora?”. Ela “acalmou” ele, dizendo: “Saia com as mão para cima! Assim eles não te fazem mal”. O homem, então, abriu a porta com as mãos para cima e olhos fechados. E ela? Ela caiu na gargalhada.

Bruxa, auto declara-se. Acredita nos princípios do Wicca e ser detentora de boas energias, curando caroço na cabeça de cliente, ferida no braço de menina, desejando o bem, “o que sai da mão vem do coração”. Além de mística, é devota do santo católico, São Jorge. Um dia o movimento não estava bom e Lili resolveu abrir um livro e ler uma palavra que te desse “um caminho”. Leu “cavalo branco”. “São Jorge!” Pediu, então, a São Jorge que te “iluminasse”. “Na mesma hora um homem lindo chegou”. Chamava-se Jorge e pagou 100 reais pelo programa, que é 20. “Essa coisas vivem acontecendo comigo!”. Uma vez, um cliente deu 700 reais, outros dão presentes. “Trato tudo igual. Não faço discriminação. Se ganho mais é por livre e espontânea vontade deles”.

Diz ser diferente do que é lá fora, talvez pelo âmbar, “que desperta a sexualidade”. “Tem mulher que tem medo de ser bonita. Quando a mulher mostra a sexualidade e os pais reprimem, ela fica fria”. O que considera atrair clientes é o sorriso, principalmente, a higiene e o âmbar, que “deixa o cliente mais a vontade e doido querendo”. Veste “camisola para despertar o curioso e o corajoso”.

Lili diz que um dos pontos positivos do trabalho é que ela “mostra o outro lado”, “aconselha”, “doma”, “corrige” seus clientes. Outro dia um deles puxou seu sutiã. “Alto lá! O que é isso?? Não é assim não, seu animal !” O homem pôs-se a chorar. “Minha mulher está com câncer...”. “Mas é claro, olha o que você faz. Você é que mata ela”. Mandou-o embora cuidar da esposa. “Todo dia quando eu corrijo, ganho mais dinheiro”.

Diz “corrigir desvios sexuais”, como no caso de um homem querendo sexo com a irmã. No ato, dizia “sua mãe está te olhando!” “Jesus está te olhando!”. O homem “broxou” na hora e foi embora. “Fazer o que ele quer, não pode. Ele tem que respeitar a mulher”.  Lili afirma que as pessoas, tanto as colegas de trabalho como os clientes, têm “medo” dela. “Ninguém briga comigo, elas têm medo”. 


Roubo foi o primeiro ponto negativo apontado por Lili quanto ao trabalho. Nunca foi roubada ou sofreu violência e consegue isso “assustando eles”. Tem muito roubo nos corredores dos hotéis, mas a “nova geração de gerentes estão trabalhando contra isso”. Outro ponto negativo para ela é o som alto, “ninguém merece ficar ouvindo esse pagode”. Além disso, lamenta o fato de muitas mulheres terem vontade de “resgatar a infância, pois roubaram sua mocidade”.

“Amo o meu trabalho, gosto muito, respeito meu trabalho”. Nele, sente-se “mais sensual”. “Sou sedutora de homens e domadora de leões”, repete.  Sentir prazer? “Às vezes sim. Com homens que querem dar prazer e quando tem química”. Cobra 150 reais nesses casos, “preciso do tesão para trabalhar”. Quando tem orgasmo, “não quero trabalhar, entro em outra dimensão”. Não pede nada pelo próprio prazer ao cliente. “De forma alguma! Sou uma profissional, não se pode abusar”. “Onde se ganha o pão, não se come a carne. Não podemos envolver sexualmente com cliente”. “Um dia quero escrever um livro...”

Sedutora, domadora de leões, devota de São Jorge, profissional do sexo, bruxa, despede-se após soprar dicas ao meu ouvido, mas sem beijos, abraços ou toque. Talvez reservava sua energia para outrem, talvez eu estivesse em êxtase demais para deixar aquela Clarice Lispector mais simpática e amena tocar-me. Em êxtase pelo âmbar? Nunca saberei. Mística, pensava... acredito. Faça o bem, queira o bem, uma coisa boa e ela retornará três vezes mais forte, brilhava.



Saí dali e olhei no relógio, 1h 30 havia se passado dentro daquele quarto de luz vermelha
cheirando a âmbar. 
Caminho de volta, bruta realidade.
Fuga.

Fui ao encontro de algumas árvores, grama e raios de sol, que não fossem tampados por acinzentados prédios. Sentei, encostando-me numa árvore seca, 
com contáveis folhas...
 penduradas por um suspiro de vida.

O sol baixo
laranja das 17h deixava o clima confortável e místico, coincidentemente ou não. 

O vento balançava os galhos vagarosamente
deitei.
 Olhei o céu
Algo soprava meus ouvidos 
 através dos galhos secos da árvore que me sustentara 
o frio tocava minhas mãos.




Pintura: Xvarnah, de Anthony Andrew Gonzalez








Alessandra Prado Rezende